COMUNICAÇÃO DO GERENTE, JOSÉ MANCEBO SOARES, NA SESSÃO COMEMORATIVA DO 75º ANIVERSÁRIO DA UNICOL

1946 – A segunda guerra mundial tinha terminado há menos de um ano e a Europa estava em ruínas. Os EUA, grandes vencedores do conflito, com importantes perdas materiais e humanas mas com as estruturas produtivas intactas, desenham o plano Marshall para apoiar a reconstrução da Europa e assumem o papel de liderança inerente à sua condição de superpotência emergente. Marcam terreno através de uma vasta rede de bases militares em lugares estratégicos. A base das Lajes é uma delas.

A paz, finalmente alcançada, a par da esperança que trouxe, criou as condições para que tivesse início um dos períodos mais prósperos que a humanidade víria a conhecer.

Portugal, pelo posicionamento político assumido, passou ao lado das maiores agruras da guerra, mas também do progresso que se seguiu, continuando a ser uma sociedade fechada, inculta, economicamente condicionada e receosa dos contágios vindos do exterior.

Os Açores, pela geografia, estavam ainda mais isolados e periféricos.

A Ilha Terceira, em 1946, era muito marcada pela ruralidade da sua economia, assente numa agricultura familiar de subsistência e por algum comércio de produtos básicos como o carvão, o petróleo, pedra de cal, sal e adubos, na importação, e cereais, gado bovino e manteiga, na exportação.

A indústria de lacticínios era muito insipiente e pulverizada em cerca de 40 pequenas fábricas, privadas e cooperativas.

A chegada dos Americanos à base das Lajes veio agitar o ambiente económico da ilha, criando uma desafiante oportunidade de negócios, com o aliciante de estar dentro de portas.

Foi este o catalisador do movimento de concentração de nove cooperativas que no dia 18 de junho de 1946 fundaram a denominada “FEDERAÇÃO DE COOPERATIVAS DE LACTICÍNIOS DO DISTRITO DE ANGRA DO HEROÍSMO”, que recebeu o necessário alvará no dia 11 de dezembro do mesmo ano.

A Federação, como passou a ser conhecida, não tinha instalações próprias e começou a funcionar na Vinha Brava nuns barracões cedidos graciosamente por José Atayde da Câmara, um abastado proprietário da ilha e membro do primeiro elenco diretivo. Mais tarde, essas instalações foram adquiridas e nelas a novel organização viria a assentar a sua atividade nas décadas seguintes. Hoje em dia, ainda é a sede da cooperativa, onde funcionam os serviços administrativos e atividades comerciais.

Em 1949, é contratado para as funções de gerente Rafael Moniz, cujo espírito metódico e sentido organizativo víria a deixar a sua marca durante cerca de três décadas.

O primeiro grande desafio foi a construção e apetrechamento da fábrica de lacticínios. O elevado investimento foi financiado por créditos da Junta de Colonização Interna e do Fundo de Abastecimento, garantidos por hipotecas dos edifícios e equipamentos da Federação, bem como do património das cooperativas associadas, e ainda por empréstimos bancários avalisados por alguns associados.

Quando, finalmente, em 1950, a fábrica arrancou, 92% do ativo era financiado por capitais alheios, o que diz bem da fragilidade da organização. O mesmo esquema de financiamento foi usado na construção de diversos postos de desnatação à volta da ilha.

A conceção da fábrica foi influenciada pelo objetivo prioritário de fornecer leite e, mais tarde, outros derivados, ao destacamento americano da base das Lajes. Para além de escolherem os equipamentos e até os materiais de embalagem, todos de origem americana, os militares exerceram um apertado controle sobre a matéria-prima e os produtos acabados.

Estas exigências, parecendo exageradas e difíceis de cumprir, permitiram à Federação evoluir muito rapidamente, para os padrões da altura, fazendo com que fosse a primeira fábrica em Portugal a pasteurizar leite e a usar embalagens de cartão. Para além do leite pasteurizado, a Federação passou a fornecer também manteiga, cottage cheese, coffee-cream, Chantilly e butter-milk, alguns deles autênticas novidades para a época. Isto para não falar do delicioso e saudoso chocollate milk, de que ainda devem existir, para além de mim, outros apreciadores nesta sala.

O arranque da nova fábrica permitiu o encerramento das estruturas fabris das cooperativas associadas, concentrar leite e atrair mais cooperativas.

Em 1950 dá-se a adesão da Cooperativa Agrícola da Ilha Graciosa alargando-se, assim, o âmbito geográfico da Federação.

Em 1951 eram já 19 as filiadas que, em 1954, respondiam por 70% do leite da ilha.

Paralelamente ao processo industrial, a Federação fez um importante trabalho de base junto dos produtores:

  • Em 1950, por sua iniciativa, é feita a “I campanha de saneamento dos bovinos leiteiros” por uma equipa de 5 médicos veterinários vindos expressamente do continente.
  • Em 1952, é criado o serviço de assistência veterinária, sob a direção do Dr. José Leal Armas.
  • Em 1958, é criado o FUNDO DE PREVIDÊNCIA PECUÁRIA.
  • Em 1959, é criado o SEGURO MÚTUO DE GADO.

Em 1953, são aprovados os estatutos da CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ANGRA DO HEROÍSMO, fundada por iniciativa da Direção da Federação, e que durante mais de três décadas funcionou nas instalações desta na Vinha Brava.

Em 1960, são alterados os estatutos e a organização assume a denominação de UNICOL – UNIÃO DAS COOPERATIVAS DE LACTICÍNIOS TERCEIRENSE, U.C.R.L.

As crescentes quantidades de leite para transformar levaram os dirigentes da altura a equacionar a construção de uma nova fábrica. Num rasgo de grande visão, é adquirido um vasto terreno, a denominada Quinta de S. Luis, para nele ser construída a nova fábrica, o que víria a permitir fazer várias ampliações.

Iniciadas as obras, as poupanças acumuladas são rapidamente gastas e ficam muito aquém dos recursos necessários para a sua conclusão. Por feliz coincidência, a SOCIEDAADE DE PRODUTOS LÁCTEOS (NESTLÉ) surge à procura de leite em pó e celebra com a UNICOL um contrato de fornecimento de médio prazo. Adiantamentos feitos pela NESTLÉ por conta desse contrato permitiram concluir as obras, equipar a fábrica e arrancar com a produção no ano de 1969.

Ao contrário da ideia inicial, a nova fábrica só produz leite em pó, porque era esse o interesse da NESTLÉ. As natas sobrantes eram vendidas á UNICOL que era obrigada a fazer quantidades crescentes de manteiga, na fábrica da Vinha Brava.

Até 1977 a UNICOL explorou a fábrica de S. Luis, tendo a NESTLÉ como único cliente para o leite em pó. Em 1978, A NESTLÉ assume o controlo da fábrica que passa a pertencer à INTERLACTO, sociedade onde a multinacional suíça detinha 60% do capital, ficando a UNICOL com os restantes 40%. Este figurino durou apenas quatro anos já que, em 1982, a NESTLÉ vendeu a sua quota à UNICOL e abandonou a ilha.

Em 1984, são inauguradas as obras de ampliação da fábrica de S. Luis, que concentrou toda a produção, e encerrada a fábrica da Vinha Brava.

Em 1988 dá-se a adesão à união da COOPERATIVA LEITARIA RIBEIRENSE, a única que continuava com atividade autónoma. O número de filiadas passa para 23.

Entretanto, em 1980, dera-se o terramoto que provocou estragos nas construções mais antigas, nomeadamente na rede de postos de recolha.

Ao terramoto, juntou-se, nos anos seguintes, uma tempestade perfeita resultante da conjugação de vários fatores adversos, a saber:

  • Esforço financeiro para adquirir a quota à NESTLÉ;
  • Avultados investimentos na ampliação da fábrica e na remodelação e refrigeração na rede de recolha;
  • Pressão do crescimento das entregas de leite, que duplicaram em 10 anos;
  • Descida acentuada dos preços de leite em pó, o principal produto;
  • Subida vertiginosa das taxas de juro, quando o endividamento já era elevado.

O desequilíbrio financeiro foi inevitável, a UNICOL viu-se obrigada a atrasar pagamentos -nomeadamente à lavoura que chegou a receber a cinco meses e meio -, a alienar património e a recorrer ao Governo Regional dos Açores, que assumiu parte do passivo bancário.

Com vista a facilitar o escoamento da produção, a UNICOL celebra, em 1991, um acordo comercial com a PROLEITE, cooperativa com sede em Oliveira de Azeméis e com reconhecida força de vendas, solução que se revelou insuficiente para a dimensão dos problemas e que evoluiu, um ano mais tarde, para a constituição de uma nova sociedade, a PRONICOL – PRODUTOS LÁCTEOS, S.A., detida em 51% pela PROLEITE e em 49% pela UNICOL, e que passou a ser a proprietária da fábrica de S. Luis.

A fileira é reorganizada, ficando a recolha a cargo da UNICOL, a transformação entregue à PRONICOL e a comercialização fora dos Açores à responsabilidade da PROLEITE.

Em 1994 a PRONICOL adquire a empresa concorrente E.L.A. e passa a transformar, e a UNICOL a recolher, a quase totalidade do leite da ilha.

Em 1996, é criada a LACTOGAL, projeto conjunto das três maiores cooperativas nacionais do sector – AGROS, PROLEITE e LACTICOOP – e a participação da PROLEITE na PRONICOL passa para esta nova sociedade.

Todas estas transformações do sector dos lacticínios, quer na Terceira, com a criação da PRONICOL, quer no continente, com a constituição da LACTOGAL, tiveram a participação determinante do Comendador Manuel Casimiro de Almeida, aqui presente, e que ainda hoje exerce funções nas duas organizações.

Da parte da UNICOL, no mesmo processo, há que lembrar a coragem e o pragmatismo do Padre Laudalino Moniz de Sá, Presidente da Direção à época, prematuramente falecido.

Com o produto da venda da fábrica e a assunção pelo Governo Regional de parte do passivo bancário, a UNICOL reequilibrou-se, saldou os seus compromissos em atraso e passou a canalizar as suas energias e recursos para a prestação de serviços aos produtores.

Ao longo da história de sete décadas e meia, a UNICOL passou por vários problemas financeiros, sempre associados a crises de crescimento, que foi resolvendo com maior ou menor dificuldade, e por fragilidades comerciais crónicas, que se foram agravando com o crescimento da produção de leite e a evolução do mercado consumidor.

Dada a pequenez do mercado local, a exportação – aqui no sentido de vendas para fora da Região – foi sempre a aposta da Cooperativa. Recorreu a várias estratégias para incrementar as vendas mas os resultados ficaram quase sempre aquém das expetativas. Eis alguns exemplos:

  • Envio de manteiga à consignação (nas primeiras décadas);
  • Adesão à UCAL, em 1964, para melhor penetrar no mercado de Lisboa;
  • Contrato com a LONGA VIDA para a distribuição de queijo produzido com tecnologia dinamarquesa (segunda metade década de 80);
  • Aquisição de um armazém em Benavente para ter distribuição própria (1989);
  • Por fim, a parceria com a PROLEITE/LACTOGAL, de 1992 em diante.

Em 2013, são novamente alterados os Estatutos e a União passou a Cooperativa de 1º grau uma vez que as Cooperativas Associadas já não tinham atividade, assumindo a denominação atual: UNICOL – COOPERATIVA AGRÍCOLA, C.R.L.

Por razões edafo-climáticas, por vocação, ou por tradição, os Açores especializaram-se na produção de leite. Há quem ache que a especialização foi longe de mais. Penso que não. Penso que o problema não é termos agricultura a mais, mas, sim, economia a menos.

Os maiores fabricantes têm a necessidade imperiosa de explorar mercados externos à Região. Os lacticínios dos Açores não cabem nos seus limites geográficos. A abertura ao exterior é não apenas desejável e necessária. É imperativa.

A cooperativa que há 75 anos arrancou num barracão da Vinha Brava é hoje a maior empresa da ilha e a 10ª da Região. É também a mais eclética das Cooperativas Açorianas.

Ao contrário do que seria lógico, não é propriedade de nenhum empresário rico ou de um qualquer grupo familiar com tradição nos negócios. É, sim, pertença de umas centenas de lavradores associados e organizados, repito, organizados, na sua cooperativa. Que melhor exemplo podemos invocar para louvar as virtualidades do cooperativismo?

Mas nem todas as cooperativas têm o mesmo destino, muitas desapareceram, outras sobrevivem penosamente com sucessivos balões de oxigénio.

O que diferenciou, então, a UNICOL?

No início, a tomada de consciência dos fundadores da necessidade de se criar massa critica para romper com o marasmo do sector.

Mas, também, a capacidade de agregar ao projeto notáveis da época que deram credibilidade, influência e capacidade financeira, através de avales, para vencer as dificuldades do arranque. Sito, por ser justo, apenas algumas dessas pessoas:

– Dr. João Rodrigues Júnior

– Dr. Manuel Nunes Flores Brasil

– Padre Manuel Sousa Barbosa

– José Atayde da Câmara

– João Baldaya do Rego Botelho

– Tenente Gabriel Toledo Costa

– João de Oliveira Gouveia

– José Paim Parreira de Bruges

– Gabriel Machado dos Santos

– Francisco da Silva Mendonça

– Capitão Frederico de Melo

– António Pedro Simões

– Dr. José Correia Bretão

– Eng.º Fernando Codorniz Fagundes

Depois, ter sabido aproveitar as oportunidades trazidas pela Base das Lajes e pela NESTLÉ. Os lacticínios da ilha evoluíram muito com os estímulos dados por estes exigentes clientes.

Mais tarde, o bom aproveitamento dos apoios ao investimento, desde as ajudas de pré-adesão até ao PRORURAL +, absolutamente vitais na modernização e capacitação da Cooperativa.

E, claro, a estabilidade dada pela parceria com a LACTOGAL.

Mas, também, a observância de princípios essenciais tais como:

  • Gestão profissionalizada;
  • Autofinanciamento de parte importante das atividades;
  • Equilíbrio, sempre difícil, entre o imediato e o médio e longo prazo, sem o qual não há futuro.

Em Portugal, a vida média de uma empresa é de 10 anos. Uma empresa, ainda por cima uma empresa cooperativa, que consegue chegar aos 75 anos, embora não sendo perfeita, seguramente alguns méritos há-de ter.

Penso que os pais fundadores, onde estiverem, devem sentir-se recompensados pelo esforço hercúleo para pôr de pé esta Organização.

A nós, dirigentes atuais, compete-nos ser dignos desse passado e tudo fazer para que, aqueles que um dia hão-de celebrar os 100 anos da UNICOL, não tenham motivos para fazerem de nós um juízo muito severo.